Uma tribo chamada Congresso II

29/08/2013 17:35

 

Escrevi aqui, há algum tempo, sobre o impasse criado pela Constituição brasileira com relação à difícil conciliação entre a condenação de um parlamentar e a discussão acerca da perda do seu mandato. Vou reproduzir apenas um parágrafo do texto publicado:

Veja a situação concreta que estamos discutindo. Se os deputados forem condenados criminalmente pelo STF, aplica-se o art. 15, III, ou o art. 55, VI, § 2.º da CF? Pelo primeiro dispositivo, eles teriam os direitos políticos suspensos e perderiam de imediato o mandato, podendo, desde já, ser presos. Pelo segundo dispositivo, eles só perderiam o mandato por decisão da Câmara dos Deputados, por voto secreto e maioria absoluta, e ainda com direito à ampla defesa. Neste último caso, se a Câmara decidir pela manutenção do mandato, restará inviabilizada a prisão, mesmo como pena. Ora, se a manutenção do mandato só tem sentido com o seu efetivo exercício, então, como se compatibilizaria o exercício do mandato com a prisão do parlamentar? Assumiria o suplente, enquanto o titular estivesse preso? Absurdo!

Seja por ironia do destino ou por depravação mesmo do parlamento brasileiro, o certo é que aquilo que eu considerei um absurdo, na hipótese apresentada, foi democraticamente confirmada. Bem, democraticamente aqui no estilo Renan, presidente do Senado (meu Deus!), que não considerou a manutenção do mandato de um parlamentar condenado criminalmente pelo Supremo uma desmoralização para o Congresso (Cf. www.em.com.br/app/noticia/politica/2013/08/29/interna_politica,441533/manutencao-de-mandato-de-donadon-nao-desgasta-o-parlamento-diz-renan.shtml). Para o senador alagoano, “nós precisamos ter respostas prontas, rápidas e céleres”, como a aprovação da PEC 18/2013, que visa dar novo tratamento à perda do mandato de parlamentares condenados. Sobre essa PEC, falarei em outra oportunidade.

A defesa de Renan da PEC 18/2013 me faz lembrar a frase de Frei Beto dita numa palestra, fazendo uma crítica mordaz ao finado todo-poderoso da Rede Globo: “Quando Roberto Marinho me elogia, eu devo me perguntar onde eu estou errando”.

Pois bem. Dos 108 deputados que não participaram da sessão, fato que beneficiou a votação em favor de Donadon, o Renan filhote foi um dos faltosos, bem como os deputados João Lyra e Rosinha da Adefal, só para ficar na “representação” de Alagoas (Cf. fernandorodrigues.blogosfera.uol.com.br/2013/08/29/conheca-os-deputados-que-faltaram-a-sessao-para-cassar-natan-donadon/).

Em seu discurso de defesa, Donadon teria dito: "Sou inocente, acreditem na minha verdade". Como integrante da bancada evangélica, o deputado levou à risca as palavras de Jesus: “Conhecei a verdade e a verdade vos libertará”, a ponto de apresentar uma verdade só dele, com o intuito de que seus pares a conhecessem e o libertassem.

Deu certo. Mas, o que em verdade libertou Donadon foi mesmo a grande mentira que é a representação popular do Congresso Nacional. Para o filósofo e professor da Unicamp, Roberto Romano, faltou “coragem ética” aos parlamentares. Mas eu diria que não, professor. O que faltou foi uma constituinte exclusiva, nos idos de 1987. A nossa Constituição, que possui regras promotoras do absurdo, foi feita sob medida por um bando de Donandons, os quais não iriam colocar no texto constitucional qualquer medida moralizante.

Eu fiquei pasmado com a solução dada pelo Presidente da Câmara, Henrique Alves, ao determinar o afastamento do condenado Donadon, que voltou para o presídio de camburão, e a convocação do suplente, o Enro Lando... digo, Amir Lando. É que foi exatamente o absurdo sugerido por mim no texto publicado neste sítio.

Não. Não faltou coragem ética, professor Romano, porque a falta de coragem nos impede de fazer aquilo que almejamos e, por uma fraqueza qualquer, não conseguimos. Os deputados que votaram pela manutenção do mandato do colega Donandon não tinham nem de longe a menor vontade de cassá-lo, pela simples razão de que todos se viram na possibilidade, bastante plausível, de um dia estarem no lugar dele.

Manter o mandato de Donadon significa, em última análise, manter o sistema que permite esses absurdos da frágil democracia brasileira. E foi isso que moveu os 131 deputados que absolveram o parlamentar presidiário. E o mesmo se pode dizer dos 41 que se abstiveram e dos 108 que faltaram. Quanto a estes últimos, se dentre eles há os que faltaram por uma justa razão, tinham o dever de se pronunciar a respeito.

Ao todo, foram 280 representantes do povo brasileiro que tiveram uma conduta no mínimo descompromissada com o mandato que prometeram cumprir com zelo e honestidade.

Eu agora estou até com medo de sugerir hipóteses aparentemente absurdas, ante o risco de que elas virem realidade. Se os deputados mantiveram o mandato de um preso condenado por sentença penal transitada em julgado, após processo que tramitou no órgão máximo do Judiciário brasileiro, eles poderiam fazer o contrário, transformando um presidiário em um deputado.

Cala-te, boca!