O paradoxo de um governo cara de pau

27/06/2013 11:39

Quando um governo é imoral, o único meio de mostrar seriedade é mentir. Quando um governo é incompetente, o único meio de mostrar serviço é mentir também. Agora, quando um governo é imoral e incompetente ao mesmo tempo o jeito é o descaramento puro e simples. Nesse ponto, a secretaria de Estado mais eficiente do governo de Alagoas é a SECOM, a Secretaria de Comunicação.

 

Sério mesmo, alguém no governo Téo deve estar lendo algum livro de Goebbels. O titular da pasta do “Ministério Nacional para Esclarecimento Público e Propaganda” do governo nazista promovia a política devastadora de seu Führer utilizando a mídia para, por exemplo, espalhar um sentimento de esperança na sociedade alemã. Mas, se o então ministro da propaganda nazista fosse vivo, e viesse à Alagoas, iria se curvar diante de verdadeiros profetas da enganação institucional.

 

A publicidade sobre a suposta redução dos homicídios no Estado não convenceu ninguém com mais de dois neurônios. Realiza, pessoal: acender uma vela para os que não foram assassinados? Isso é, no mínimo, escatológico. E mais: será que os gênios da publicidade não perceberam que essa propaganda é contraproducente? Alagoas é o único lugar do país onde se acende uma vela por estar vivo.

 

Uma imagem nada confortante, não é mesmo? Mas foi a que venceu o processo de licitação, dentre outros que, somando, custaram aos cofres públicos, de 2007 a 2013, a bagatela de R$ 77.791.199, 20. Isso mesmo: setenta e sete milhões, setecentos e noventa e um mil, cento e noventa e nove reais e vinte centavos. E não para por aí. Estão previstos mais 50 milhões de reais para mais enrolação até o fim do governo. Veja os detalhes no site do Cada Minuto, no endereço cadaminuto.com.br/noticia/218282/2013/06/24/secom-investiu-mais-de-r-77-milhoes-em-propaganda-por-meio-das-agencias-de-publicidade

 

A saúde é retratada como se estivéssemos em outra dimensão. Enquanto o dotô Luciano faz o eco no município de Maceió, para a alegria de senhoras felizes, sorridentes e saudáveis, no Estado, é capaz de transformarem o Hospital Geral num Sírio Libanês nas mãos habilidosas desses magos da publicidade. Eis o paradoxo de um governo cara de pau: o dinheiro que não foi gasto em hospitais e escolas, criando um caos na saúde e na educação, virou a fortuna gasta pelo governo para divulgar exatamente os trabalhos que não foram feitos.

 

Podem dizer o que for, mas em Alagoas não existe essa de hipocrisia barata. O gasto com a mentira é imenso. E se antes os gastos se davam apenas nas campanhas políticas, financiadas ostensivamente pelo poder econômico, hoje eles foram simplesmente institucionalizados. Um distorcido financiamento público de campanha já existe em Alagoas, pois os governantes utilizam a máquina administrativa para se autopromover, divulgando falsidades.

 

A gente poderia ficar horas enumerando aqui as aberrações da publicidade do governo alagoano. Mas, não é essa a intenção. O objetivo é mostrar como um governo pode ser descarado quando não encontra limites. Numa época de revoltas populares, a sociedade alagoana deve abrir os olhos e reagir a esse cinismo institucionalizado que virou o governo de Alagoas.

 

E não é só por meio de legítimas manifestações nas ruas, cujo papel político é extremamente relevante. Além dessa forma de expressão e pressão popular, a sociedade precisa também se organizar, recorrendo às vias genuinamente institucionais e democráticas que a ordem jurídica oferece. As ações constitucionais, tais como, e principalmente, a Ação Popular e a Ação Civil Pública, são instrumentos que precisam ser difundidos, para um manejo mais eficaz pelo cidadão, individualmente ou em grupos organizados.  

 

A Lei da Ação Civil Pública, uma das mais importantes, rege as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados a, dentre outros direitos, “qualquer outro interesse difuso e coletivo”. O problema é que a lei, quando prevê a legitimidade para as associações, típicas instituições criadas pela sociedade civil organizada, apenas contempla aquelas que incluem entre suas finalidades institucionais, “a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico”. Ou seja, a lei retira a legitimidade das associações para promover ação civil pública visando a responsabilidade por danos causados a interesses difusos, limitando a sua atuação a interesses específicos de seus associados. 

 

Temos defendido que o ideal seria a possibilidade de que instituições dessa natureza pudessem, por meio de ação civil pública (ACP), promover a responsabilidade de maus gestores da Administração Pública, por condutas como as citadas publicidades enganosas. Veja que a Ação Popular objetiva a anulação de atos ilegais, mas não tem o alcance da ACP no sentido de responsabilizar os culpados e obrigá-los a uma conduta positiva ou negativa. Com a atual redação da lei, nesse caso, apenas o Ministério Público, (ah, o Ministério Público...), ou talvez a Defensoria Pública teria tal legitimidade.

 

A ampliação da legitimidade daria uma maior efetividade aos mecanismos democráticos de participação popular no processo político, elevando o cidadão, integrante de uma associação, a um papel fundamental de fiscal da gestão da coisa pública, seja federal, estadual ou municipal.

 

É simplesmente inadmissível que o governo gaste tanto apenas com hipocrisia, cujo resultado prático, ao final, é a promoção pessoal para futuras candidaturas e projetos políticos. E é ainda mais inadmissível que a sociedade não tenha mecanismos institucionais próprios para exercer seu legítimo direito de resistência e resgatar o belíssimo Estado de Alagoas das mãos desse magote ratuína.