Arte Espírita em Paris

07/01/2013 10:54

Desde o dia 18 de outubro de 2012, até o próximo dia 20 de janeiro (2013), está ocorrendo uma amostra de arte espírita na Maison de Victor Hugo (Casa de Victor Hugo) em Paris. A notícia foi publicada no site da Prefeitura da "Cidade das Luzes" (Mairie de Paris) e pode ser acessada no endereço https://www.paris.fr/loisirs/musees-expos/maisons-de-victor-hugo/mediums-spiritisme-maison-victor-hugo/rub_5852_actu_118787_port_24601

Na página, pode-se ver a imagem de uma pintura abstrata com o seguinte dizer: "Um olhar histórico sobre as produções artísticas do espirititsmo, estranhas e involuntárias, de médiuns dos séculos 19 e 20..."

A seguir, o texto continua (numa tradução livre):

"Em setembro de 1853, provocada pela visita de Delphine de Girardin, em Jersey, a prática das "mesas falantes" se tornou a ocupação principal da família Hugo. Até outubro de 1855, as mesas ditavam, desenhavam mesmo, exercendo uma grande influência sobre o pensamento e a criação de Victor Hugo. Sob as mãos de seu filho Charles, o médium dessas sessões, eles confirmam o selo do além, a verdade de um fundo de ideias filosóficas preexistentes e que, enriquecida, vai irrigar a obra e a efervescência poética e literária do futuro.

"Em 1933, André Breton publica, na revista Minotaure, "A Mensagem automática", que constitue uma verdadeira entrada dos médiuns na cena artística e o reconhecimento de seu papel no crescimento da área de criação rumo às zonas desconhecidas ou simplesmente resgatadas de nosso inconsciente.

"Dando-se essas duas datas por limites, a exposição tenta tornar sensível o surgimento de uma nova estética e de um novo imaginário que vão, entre outras coisas, alimentar o surrealismo ou engrossar a fileira da Arte Bruta. Ela se apoia sobre as obras raramente expostas, senão inéditas, relacionadas com as produções "literárias" ditadas pelas mesas.

[...]

" 'Se a ciência não aceita esses fatos, a ignorância os assume', declarava Victor Hugo. A exposição insiste também sobre o movimento de estudos suscitado pelos fenômenos espíritas e, em particular, sobre a metapsíquica - graças a ajuda do IMI (Instituto Metapsíquico Internacional) - que tentou compreendê-los, abrindo uma via de reflexão sobre as capacidades dos espírito humano e do inconsciente."

 

Pois bem. Na minha estada na França, em fevereiro de 2011, para onde fui com o intuito de estudar o idioma francês, tive o prazer de conhecer a rua onde nasceu Allan Kardec (la rue Salas), em Lyon. Fui à pé, com alguns colegas, pois a rua não ficava tão distante da escola da Aliança Francesa onde estudávamos. Seguindo o mapa da cidade, entramos por uma rua transversal que ia se encontrar com a rua Salas. Qual não foi a minha surpresa ao chegar à rua que tinha sido a de Kardec, pois pude notar que o nome da rua por onde caminhamos para chegar até lá era Rue de La Charité (Rua da Caridade). Todos sabem que um dos lemas mais famosos da Doutrina Espírita é o "Fora da Caridade não há salvação".

Não se pode dizer que o nome da rua tenha sido definido com o próprosito de homenagear o Codificador da Doutrina dos Espíritos, ou coisas do tipo. Por curiosidade, fiz uma pequena enquete pelas ruas de Lyon, perguntando se as pessoas conheciam, ou tinham ouvido falar sobre Kardec... e nada! Perguntei inclusive pelo seu nome original Hippolyte Léon Denizard Rivail (a história da mudança de nome fica talvez para outra oportunidade), autor de vários livros sobre pedagogia, e ninguém o conhecia, embora exista um importante centro espírita em Lyon, o Centre Spirite Lyonnais - https://spirite.free.fr/.

Apesar de Kardec ter passado maior parte de sua vida em Paris, é curioso o seu quase anonimato em sua cidade natal. Entretanto, Paris é uma cidade iluminada, literal e figurativamente. Se em Lyon, Kardec é um "ilustre desconhecido", em Paris, cidade onde desencarnou, sua memória está sendo respeitada. No cemitéro Père Lachaise, também visitei o seu túmulo. De todas as celebridades cujos corpos físicos foram ali enterrados, o túmulo de Kardec é o mais visitado e o mais enfeitado por flores, depositadas pelos visitantes adeptos ou simpatizantes da doutrina em todo o mundo. Tive o prazer de trocar ideias com um visitante do Vietnã que ali estava. Conversamos em inglês, e ele tentava me mostrar algo que eu não via em minha câmera fotográfica, quando eu a apontava para o túmulo. No final, receioso de que ele pensasse que eu o visse como um alucinado, eu disse pra ele: "Eu acredito em vc, mas não consigo ver." Ele me dizia que ao lado do busto de Kardec estava o espírito de sua esposa Amélie Boudet, que desencarnara 14 anos após o desencarne de Kardec, e que foi enterrada junto ao esposo.

Hoje, fico "matutando": taí um diferencial da Doutrina Espírita, pois ela mostra que a aceitação de uma ideia é fruto da compreensão e não do sentido físico do tato ou da visão. Eu não vejo, objetivamente, a Terra girar em torno do Sol, mas compreendo que tal movimento é mais racional do que o geocentrismo da Escolástica. Ao contrário, muitas vezes o sentido físico pode nos confundir, pois se vejo, todos os dias, que o Sol nasce no horizonte de um lado e se põe no horizonte do outro lado, poderia concluir apressadamente pela ideia errada. Por isso, está certo Kardec quando diz:

Eis por que vemos diariamente pessoas que nunca viram e creram, simplesmente porque compreenderam, enquanto outras viram e não creem, porque não compreendem. Fazendo entrar o Espiritismo no caminho do raciocínio, nós o tornamos aceitável para aqueles que querem conhecer o porquê e o como de todas as coisas; e o número destes é grande neste século [XIX], pois a crença cega já não faz parte dos costumes (Revista Espírita, ano II, n. 8, agosto de 1859).

Paris é conhecida como a Cidade das Luzes, não tanto pelos fenômenos físicos que afetam o sentido da visão, mas pelos fenômenos do intelecto que afetam a razão. E foi lá que Kardec realizou seus estudos e suas pesquisas. E é lá que a doutrina por ele codificada está sendo relembrada por uma de suas inúmeras manifestações: a arte espírita.